In defense of the soapbox
Saturday, January 13, 2007
  Cores
Alguém tem que manter esse blog andando, and it might as well be o único dos três que está de férias mesmo...

Todo mundo já pensou naquele argumento sobre a percepção das cores por pessoas diferentes: "Não tem como saber se eu vejo vermelho da mesma forma que tu vê vermelho". A resposta simples para isso é, obviamente, que o que importa é que a grande maioria das pessoas vai apontar para o mesmo lugar e dizer "Isto é vermelho".

Mas para alguém que não esteja satisfeito quanto a idéia de se "perceber" a cor, pode-se pensar em algumas possibilidades. Por exemplo, se "perceber" for definido pela maneira como as células da retina reagem ao comprimento de onda que é refletido pela superfície da parede vermelha, podemos facilmente pensar em algum exame que compara como as retinas de várias pessoas reagem à cor. A configuração da retina, entretanto, parece até para mim como uma explicação medíocre para a "sensação" da cor, até porque alguém que tenha o nervo óptico danificado não vai perceber o vermelho normalmente, mas a sua retina pode muito bem reagir da mesma forma que a dos outros.

Uma aproximação mais interessante pode ser interpretar os impulsos elétricos que passam pelo nervo óptico. Da mesma forma, é viável definir algum teste que possa observar e comparar como os impulsos atravessam o nervo de diferentes pessoas, e ver se é igual. Esta idéia já soa mais interessante, mas ainda me parece ingênua, pois existe muito processamento do sinal que vem do nervo, então a informação pura pode não representar a sensação da cor.

Andando mais para dentro do crânio, começam a aparecer as regiões do cérebro que "reagem" à informação que vem do nervo óptico. Podemos imaginar, como uma hipótese promissora, que em algum lugar do cérebro há um "mapa" de neurônios que se configuram conforme o que a gente vê (por exemplo, uma região espacial do cérebro que poderia ser excitada em quadrados entrelaçados quando enxergamos um tabuleiro de xadrez). Incidentalmente, experimentos em macacos mostram que provavelmente existe uma região do cérebro que faz algo semelhante a isso. Comparar estes "mapas" de pessoas diferentes pode dar uma idéia bem melhor da "sensação" de uma determinada cor. Por outro lado, se estes mapas forem simplesmente um mapeamento mesmo do que está no exterior, não adianta nada compará-los, pois é lógico que eles serão iguais, visto que eles mapeiam a mesma única coisa de fora.

Um último passo que podemos propor, e o de longe mais interessante, é o de comparar como o cérebro (ou todo a máquina cognitiva) reage em geral ao impulso da parede. A maneira como o cérebro reage pode ser vista, em última análise, como uma configuração que dirá como o indivíduo vai se comportar diante da cor, e me parece a medida mais promissora de tentar identificar e compara as possivelmente diferentes "sensações" da mesma cor.

Agora, se alguém sistematicamente ficar retraindo a sensação para um nível acima de cada uma das investigações propostas, o que vai acabar acontecendo é que em algum momento a pessoa será forçada a definir a sensação como sendo específicamente algo que não pode ser comparado entre duas pessoas. E aí é evidente que a questão não vai poder ser resolvida, porque nós acabamos de definir a sensação da cor como sendo algo que não se presta à resolução do problema.

O exemplo da percepção de uma determinada cor é pouco importante. Mas a idéia por trás mostra uma coisa muito perigosa, ou pelo menos muito improdutiva. Existem muitas outras questões que são impossíveis de serem respondidas por definição, porque qualquer resposta vai ir contra alguma ou outra definição mal explicada. E isto não é justificativa para não se responder a estas perguntas! O que devemos fazer é tirar esta máscara de definições mal-feitas, e tentarmos responder as perguntas para realmente resolver problemas, e não simplesmente discutir por discutir. Discutir por discutir é inútil e extremamente desagradável

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O experimento do macaco pode ser encontrado em Pinker, Stephen. How the Mind Works. na edição paperback da Penguin Books, nas páginas 238 - 240. Aliás, todo o capítulo The Mind's Eye é muito interessante, e trata sobre como funciona o mecanismo de visão das pessoas.
 
Thursday, December 28, 2006
  O que se Diz às Duas da Manhã
Vamos assumir que existe uma divisão do conhecimento; que existe uma forma de avaliar os fatos documentados e colocá-los em uma ou outra categoria. Isto não é uma coisa nem de perto confirmadamente verdadeira, mas é um hábito que as pessoas costumam ter. Que existam então, duas categorias: o conhecimento científico, e o conhecimento não-científico. Observem que não estou fazendo nenhuma discriminação (ainda) quanto ao valor destes tipos de conhecimento para a sociedade; não estou, tampouco, dizendo que um conjunto é maior, ou menor, do que o outro. Vamos somente aceitar que existe uma forma de separar o que sabemos entre "científico" e "não-científico". Apesar de esta não ser uma separação comprovável, e apesar de que algumas coisas podem ser de difícil caracterização, a grande maioria dos fatos será razoavelmente fácil de posicionar; ninguém discutirá se colocarmos a Relatividade Especial no conjunto científico e a Nona Sinfonia no conjunto não-científico.

Antes de ir adiante, quero fazer alguns comentários sobre o que está dentro do conjunto não científico. Atribuir um grau de valor, ou de importância, a alguns elementos deste grupo, como por exemplo a própria Nona Sinfonia, não traz muita discórdia. Nós valorizamos a Nona Sinfonia porque ela soa bonita. Porque ela desperta emoções poderosas a quem a ouve e aprecia. Nós gostamos de ler Shakespeare porque as peças têm um humor e uma tragédia presentes só em textos de pessoas realmente muito talentosas. Mas o que dizer de assuntos mais importantes, assuntos que tentam imprimir em nós algo mais do que simples satisfação? Como caracterizar membros do conjunto não-científico como a Homeopatia (me perdoem os defensores desta atividade, ela será usada aqui para personificar métodos de medicina "alternativa", pelo fato de que eu desconheço outras atividades parecidas), que pode afetar a expectativa de vida de pessoas? Como avaliar o valor de se ensinar criacionismo em escolas? Claramente, existem elementos no conjunto não-científico cuja importância deve ser cuidadosamente analisada, para nos certificarmos de que não estamos advocando inverdades (inverdades aqui é um termo educado para baboseiras).

A partir de agora, alguém com certeza irá me acusar de um chauvinismo absurdo, em apontar o dedo acusatório contra o conjunto dos fatos não científicos e convenientemente deixar a ciência de lado. Sobre isso, tenho duas coisas a dizer: Uma, a ciência não, e deixe-me fazer este ponto bastante claro, a ciência não possuí todas as verdades sobre tudo. Cientistas são suscetíveis a erros e são corrompíveis. A segunda coisa é: eu deixo a ciência de lado porque idealmente ela é capaz, por definição, de cuidar dos seus próprios problemas. Não vou escrever aqui de novo sobre como funciona o método científico, mas basta falar que ele é feito para diminuir tanto quanto possível erros de asserção, ou mesmo erros de pensamento (aqui, erros simplesmente significam fatos que falam contra a verdade das coisas).

Agora, vou fazer uma defesa pessoal sobre porque eu valorizo muito mais os fatos do grupo científico, e porque eu acho que esta atitude é válida, se queremos chegar mais perto da verdade. Se, por outro lado, ninguém se importa com a verdade, bom, vamos parar de nos enganar e vamos sair por aí falando bobagens aos quatro ventos. Eu quero citar um trecho que li em um livro (o Livro é "a Devil's Chaplain", do Richard Dawkins, e na verdade isto é meio... feio de se fazer, pois é uma citação de uma citação). O texto falava de um cientista, Alan Sokal, que em 1996 enviou um artigo para o jornal Social Text chamado "Transgressing the Boundaries: towards a transformative hermeneutics of quantum gravity". Este artigo foi escrito de propósito para ser, do começo ao fim, uma seqüência de bobagens (Dawkins: "From start to finish the paper was nonsense. It was a carefully crafted parody of postmodern metatwaddle"). Abaixo, estou colocando as palavras, retiradas deste livro, de Gary Kamiya:

"Anyone who has spent much time wading through the pious, obscurantist, jargon-filled cant that now passes for 'advanced' thought in the humanities knew it was bound to happen sooner or later: some clever academic, armed with the not-so-secret passwords ('hermeneutics', 'transgressive', 'Lacanian', 'hegemony', to name but a few) would write a completely bogus paper, submit to an au courant journal, and have it accepted... Sokal's piece uses all the right terms. It cites all the best people. It whacks sinners (white men, the 'real world'), applauds the virtuous (women, general metaphysical lunacy) ... And it is complete, unadultered bullshit - a fact that somehow escaped the attention of the high powered editors of the Social Text, who must now be experiencing that queasy sensation that afflicted the Trojans the morning after they pulled that nice big gift horse into their city."

O que eu quero dizer com isso é o seguinte: eu valorizo muito mais o conhecimento científico porque, de um modo geral, aqueles que desenvolvem o conhecimento científico são chatos, muito chatos, em se certificar de que eles não estão escrevendo um monte de lixo com termos complicados para soar grandioso. É lógico que existem pessoas que fazem isso (e se nomeiam cientistas), mas esses não são os membros brilhantes do grupo. Imbecis anônimos falam bobagens, e coitados como Newton e Einstein, que imediatamente iriam denunciar as falácias desses seus "colegas", devem sofrer a culpa na mente popular.

Pelo fato de ser conhecido como método científico, esta técnica de se ser cuidadoso com o que se diz é imediatamente rechaçada como doutrina fascista nos meios do conjunto não científico. Assim, no conjunto não científico pode passar livre a idéia de que é lindo e maravilhoso alguém resolver inventar, do profundo de sua imaginação, uma "teoria" para explicar porque as pessoas não são felizes na sociedade pós-decante-moderna do século XXI. Todo mundo vai estar tão preocupado em respeitar o direito do cidadão de se expressar, e com tanto medo de parecer ter um resquício do bom e velho ceticismo, que absolutamente ninguém vai se lembrar de sequer dar uma olhadinha para a rua, para a realidade, e ver se aquele monte de palavras bonitas que o cara publicou num best-seller novo fazem algum sentido, ou se deveriam ser realocadas para a ficção (onde certamente venderiam muito menos cópias do livro).

Outro motivo pelo qual eu dou importância ao conhecimento científico, e só me preocupo com as Sinfonias do não científico, é o fato de que um dos conjuntos pode apresentar resultados inequívocos de sua importância, enquanto o outro precisa depender de boa-vontade e credo na testemunha de pessoas, somente. O que eu quero dizer com isso? Expermientem voar um avião movido a Qhi (sp). Ou ainda, eu desafio o grupo dos "maiores" médiuns do mundo a se unirem, da forma que eles acharem melhor, para levitarem a 10.000 metros de altitude, ou sobreviverem a 200 metros de profundidade, ou ainda serem catapultados precisamente como uma pedra para pousar na superfície da Lua. Eu confio na ciência, por que ela funciona. Eu confio na ciência, porque ela prevê que, por exemplo, combustão interna pode fazer carros andarem, e, voilà, os carros andam! Eu confio na ciência porque ela diz que elétrons (aquela coisinha maluca que ninguém enxerga) se mexendo para um lado e para o outro podem transmitir informações em algo etéreo chamado campo eletromagnético, e quem diria, eu ligo meu rádio, e ouço música! (a Nona Sinfonia, por sinal). Agora, eu ainda não vi nenhum rádio capaz de receber informações do Qhi de ninguém. Ainda não vi nenhuma televisão que me deixe conversar com os mortos. Eu só ouço histórias de pessoas que dizem falar com mortos. Mas se é para dizer coisas, bom, eu também posso dizer que falo com os mortos. Mas guess what, eu não falo!

Para terminar isto, quero usar um exemplo para mostrar a importância de se testar o que se ouve, de se averiguar o que se lê: Imaginem que eu publico, ou escrevo neste blog, ou até mesmo falo ao vivo, que eu cheguei à conclusão de que um grande conjunto de bolinhas rosas de borracha que quicam na minha garagem são capazes de traduzir e prever o futuro da humanidade. Se eu conseguir terminar a frase antes de ser internado em um manicômio, poderei me considerar sortudo.

Agora, se por outro lado eu lhes dissesse "Recentes avanços na tecnologia me permitiram concluir que a continuidade do tempo está intimamente relacionada a variações multi-harmônicas do campo tri-esférico quântico localizado em um nível trans-atômico da quarta dimensão, e que conseqüência não existe, todas as coisas acontecem simultaneamente em um multiverso de possibilidades infinitas". Com um pouco de entonação, eu poderia dizer isto a uma platéia sob fervorosos aplausos. Mas as duas coisas são nada mais do que lixo, backwash da minha cabeça, aqui escrevendo esse monte de coisas as duas da manhã. Mas existe algo muito importante nisso tudo; namely, que a gente não deve acreditar no que alguém diz as duas da manha ;-)
 
Monday, October 02, 2006
  Paternalismo é opressão
"If you are not free to choose wrongly and irresponsibly, you are not free at all."
- Jacob Hornberger

Em uma discussão recente que tive sobre a necessidade de legalizar o consumo e a venda de drogas atualmente consideradas ilícitas, me deparei com um argumento que os conservadores costumam utilizar como último refúgio: "é necessário proteger as pessoas delas mesmas". Essa idéia não só é extremamente ofensiva aos meus ideais liberalistas, como também fere princípios naturais de evolução e perpetuação da espécie, além de servir de apoio à maioria das ditaduras que já tivemos a infelicidade de testemunhar no nosso planeta. Sob o pretexto de proteger as pessoas delas mesmas, que outras barbaridades seríamos capazes de cometer? Proibir o automobilismo competitivo, por causa do risco de acidentes? Abolir estudos ligados à radioatividade por causa do perigo que os cientistas correm? Proibir o contato entre membros de sexos opostos, para evitar dores de amor?

Ao cercear a liberdade de escolha de um indivíduo, comete-se o que deveria ser considerado um "crime hediondo primário". Se aceitamos que uma pessoa tem o direito exclusivo e personalíssimo sobre seu corpo e que tal direito é inviolável, qualquer tentativa de ditar o que alguém pode ou não fazer consigo mesmo deve ser considerada uma terrível afronta a esse direito individual. Isso decorre da grande máxima liberal que aprendemos desde pequeninhos, "a minha liberdade termina quando começa a do outro", E NÃO ANTES DISSO. Veja que as duas idéias são consistentes e complementares: qualquer coisa que comprometa a liberdade de outra pessoa deve ser considerada um crime, inclusive a proibição de alguém fazer consigo mesmo qualquer ato que não interfira na liberdade de outro indivíduo. É de grande importância que o leitor esteja ciente de que não estou defendendo o uso das drogas. A minha idéia aqui é defender a liberdade que cada um deve ter de escolher usá-las ou não.

Outro argumento constantemente utilizado pelos que se opõem à legalização de drogas "pesadas" (o quão mais pesadas elas realmente são do que a bebida ou o cigarro?) é a exagerada concepção de que a liberação delas causará um desastre social, de proporções estupendamente épicas, pois todo mundo vai querer experimentar e todos ficarão viciados, levando em última instância ao fim precoce da humanidade como a conhecemos. O fato que esses reacionários costumam menosprezar é a grande atração que qualquer coisa proibida exerce sobre seres humanos normais. Quantos aqui nunca dirigiram acima do limite de velocidade só para contrariar a lei, pra ver o que há de tão extraordinário nisso? Quantos nunca piratearam um programa de computador "só de raiva"? Alguém já ouviu a expressão "o fruto proibido é mais gostoso"? Adão e Eva anyone? A verdade é que as pessoas se sentem perigosamente atraídas pelo que é proibido, desconhecido e condenável. Faz parte da natureza humana e provavelmente é um fato imutável. Ao legalizar as drogas, estaríamos tirando boa parte da "graça" de consumí-las. Eu poderia apostar bastante dinheiro no fato de que a quantidade de covardes que atualmente não têm coragem de subir o morro pra comprar cocaína (que seriam os potenciais consumidores favorecidos pela legalização) não chegaria nem perto da quantidade de rebeldezinhos em busca de auto-afirmação, ou de "caçadores de emoção" que procuram viagens cada vez mais altas (que são os potenciais consumidores de hoje, os quais não se interessariam por algo banal e desistiriam das drogas caso elas fossem legalizadas).

É claro que existiriam pessoas que se interessariam em utilizar drogas de qualquer forma. E é claro que as drogas fazem mal, e, se a dependência não for tratada, acabam levando à morte ou ao isolamento social. Foi por isso que eu mencionei a evolução e a perpetuação da espécie no primeiro parágrafo. Se o consumo de drogas realmente é algo nocivo para a sociedade, nada mais justo do que os consumidores serem punidos pelas suas ações. Essa punição viria justamente do uso dos entorpecentes e das conseqüências decorrentes de tal fato. Se um indivíduo for incapaz de reconhecer o prejuízo que seu vício traz para si e para a sociedade, fica óbvio que ele está inapto ao convívio social. Sob um ponto de vista mais "biológico", podemos dizer que é indesejável que seus genes sejam passados adiante, ou seja, devemos ficar gratos pela redução na chance de ele se reproduzir com sua retirada precoce do gene pool. Parece até provável que a liberação das drogas torne-as desnecessárias no futuro, pois aqueles mais propensos ao consumo seriam vítimas de uma das leis mais básicas da natureza, a sobrevivência do mais apto.

E o que poderia reverter a tendência que algumas pessoas têm de se voltar para o consumo de alucinógenos? Não deveria soar estranho ao leitor se eu mencionar a educação como a única arma que possui alguma chance no combate contra o consumo de drogas. Somente elucidando a população a respeito dos efeitos e conseqüências de um ato é possível orientá-la para uma escolha favorável. Ações educacionais, e até a reabilitação de eventuais consumidores arrependidos, poderiam muito bem ser financiadas pelos impostos que seriam cobrados sobre a venda de entorpecentes legalizados. Mas o importante é que cada indivíduo possua a liberdade para fazer a sua escolha. Afinal, nós não proibimos criancinhas de sair andando por aí com medo de que elas caiam. O que fazemos é segurar suas mãos e orientá-las para que o caminhar seja o mais suave possível. Mas elas só aprenderão a andar com proficiência depois de várias quedas e contratempos.
 
Tuesday, September 19, 2006
  Liberté. Liberté. Liberté.
Nos últimos meses, diversos fatos externos e internos ao nosso país, combinados com algumas discussões e leituras, vêm me fazendo perceber a importância da liberdade para a sobrevivência dos seres humanos (não só dos indivíduos, mas também da espécie). Cada vez mais venho me acostumando à idéia de me ver como um liberal. Não só no âmbito da política e economia, mas principalmente com relação a costumes e cultura.

O post anterior funcionou como um tipo de faísca, "explodindo" as idéias que vinham se acumulando lentamente no meu sistema. Acho que ficou bem clara a proposta do Nedel: para ele, é necessário que o Estado controle e determine as leis e as morais que o resto da população deve seguir. Isso ao meu ver é uma idéia tão absurda que é até difícil achar argumentos contra ela, pois deveria ser natural para uma pessoa que há certos aspectos da sua vida os quais não devem ser objetivo de regulação externa.

Ditar a sexualidade de um ser humano, ou pra todos os efeitos suprimí-la, faz tanto sentido quanto institucionalizar o favoritismo pelo azul e proibir que as pessoas gostem de vermelho. O aborto e a eutanásia realmente são questões que exigem uma discussão mais aprofundada, até porque envolvem a vida de outro indivíduo e não só a de quem decide por realizar ou não o ato. Mas em questões que envolvem somente conseqüências pessoais, como a união de dois homossexuais, realmente não há razão para o governo, a igreja ou qualquer outro meter o bedelho. Aliás, ao abrir um precedente impedindo a união homossexual, é um passo andado para
que seja abolida qualquer forma de livre associação entre pessoas (1984 anyone?).

Outra questão que para mim parece bastante óbvia é a liberação do consumo das drogas atualmente consideradas ilícitas. Será que ninguém mais percebe que ao proibir qualquer coisa, cria-se uma possibilidade fantástica de exploração do mercado ilegal? A Lei Seca dos anos 20 nos Estados Unidos só serviu para a criação e fortalecimento da máfia e marginalização dos consumidores. Da mesma forma, a proibição das drogas no Brasil (e no resto do mundo) só serve aos interesses políticos de controle da população e perpetuação das tensões sociais causadas pelo tráfico. Agora eu já estou até ouvindo os conservadores gritando "mas oh meu deus as drogas fazem mal e legalizá-las vai causar um desastre social!!!". Ao que eu devo responder que realmente, elas fazem mal. Mas então por que cigarros e bebidas alcoólicas são permitidos? Afinal, também são extremamente danosos à saúde. E uma das máximas liberais mais importantes na minha opinião diz o seguinte: "If you are not free to choose wrongly and irresponsibly, you are not free at all".

Eu ainda teria inúmeras considerações a respeito da importância do Liberalismo para a sociedade atual, mas vou parar por aqui pra ter assunto para os próximos dias :)
 
Monday, September 18, 2006
  Estado Laico, anyone?
Hoje minha mãe recebeu uma carta de um candidato a Deputado Federal pelo PP (Partido Progressista), sr. João Carlos Nedel, número 1110. Com a permissão da Norma, vou transcrever aqui o texto da carta, para depois fazer meus comentários a respeito:

"Prezado Irmão em Cristo.

Nós, católicos, somos 80% do eleitorado brasileiro.
É preciso acordar essa maioria silenciosa. Grande parte desse contingente continua votando em candidatos anticristãos, os quais defendem o aborto, a eutanásia, a liberação das drogas e o casamento homossexual.
Tudo contrário aos princípios de nossa Igreja.
Ou nós mudamos o atual estado de coisas ou vamos continuar como meros expectadores dessa escalada da corrupção e dos desvalores[sic], pecando pela omissão e pela inação.
Nós temos candidatos cristãos a Presidente (Geraldo Alckmin), a Governador (Francisco Turra) e a Deputado Federal e Deputado Estadual. É só uma questão de olhar os currículos de todos os candidatos. E votar bem.
Pessoalmente, busco representar os católicos na Câmara Federal.
Sou candidato a Deputado Federal, com o número 1110.
Vereador há mais de dez aons, em Porto Alegre, sou também Ministro da Sagrada Comunhão há 20 anos. Além disso, sou Contador e Executivo Financeiro, com mais de trinta anos de experiência e estou seguro de que tenho plenas condições de ser um digno representante católico na Câmara Federal.
Conto com teu apoio e de tua capacidade multiplicadora, entre os membros de tua Paróquia, para eleger-me Deputado Federal, pois encaro minha candidatura como uma missão cristã.

Muito obrigado.
JOÃO CARLOS NEDEL
Deputado Federal 1110

COMITÊ:
Rua Luciana de Abreu, 272 - Moinhos de Vento - CEP 90570-060 - Porto Alegre - RS
Fones 3312.1513 - 3222.9586 www.joaocarlosnedel1110.can.br"

Vou colocar abaixo alguns links que obtive digitando joao carlos nedel no google. Dali vocês podem formar alguma opinião sobre o sujeito antes de ler os meus comentários:
http://www.nedel.com.br/
http://www.camarapoa.rs.gov.br/frames/veread/pages/jcnedel.htm
http://www.interlegis.gov.br/comunidade/casas_legislativas/municipal/RS/c410/p3837

Vamos começar pelo maior desaforo metodológico cometido pelo modo de pensar do Candidato: historicamente, podemos ver que para um melhor funcionamento da sociedade, a Religião deve se manter estanque do Estado. Existem teorias políticas suportando esta afirmativa, e mais de uma evidência histórica de que estados religiosos não funcionam (no simples sentido de que a população destes estados sofre mais de violência do governo e atos de terrorismo do que onde a Religião se abstém de afetar o Estado) (1) (2) e (3).

Infelizmente, não consegui obter dados da distribuição religiosa entre a população votante brasileira, mas abaixo consegui fazer uma busca pela população de um modo geral. Embora a estatística do sr. Candidato possa estar correta, acretido que não levar em consideração a população não-votante quando se faz algum plano de campanha mostra uma tremenda falta de consideração.

Uma rápida pesquisa em dados do IBGE mostra que, de acordo com o Censo demográfico de 2000, aproximadamente 73% da população brasileira se auto-denomina católica (a discrepência de 7% pode não parecer significativa, mas eu devo discordar, considerando que esta percentagem corresponde a cerca de 11 milhões de pessoas (7% da populaão total, e não do público votante, como já disse que não consegui obter), mais do que a população do estado do Rio Grande do Sul). Ok, aqui no RS o deputado chegaria mais perto, pois a percentagem fica em torno de 76% (novamente, da população total), também de acordo com o censo do IBGE. Agora, se as pretensões do Sr. Nedel são federais, não devemos nos ater aos demográficos somente do sul do país.

Mesmo que sejam os 80% que nos são informados, entretanto, o que dizer dos 26 milhões de evangélicos residentes no Brasil, e os 2,3 milhões de espíritas, e outros tantos milhões de espiritualidade diversa (incluindo 12 milhões de pessoas que se dizem "sem religião"). Será que estes todos devem ser considerados "anticristãos", ou quem sabe expectadores, ou até mesmo defensores da "corrupção" e dos "desvalores"?

Quando o candidato fala de algumas idéias serem "contrárias aos princípios de nossa Igreja", eu me sinto obrigado a mostrar alguns dos princípios que os católicos tão ardorosamente já defenderam em tempos passados:
http://en.wikipedia.org/wiki/Inquisition

Tudo bem, a Inquisição terminou há relativamente bastante tempo, mas se vocês não sabem, foi somente o Papa João Paulo II, no século XX, que redimiu a "moral cristã" de cientistas como Nicolau Copérnico, Galileu Galilei e Charles Darwin.

Finalmente, vou tratar um pouco sobre os temas com certeza polêmicos que o Sr. Nedel aborda no início de seu comunicado: Aborto, eutanásia, e casamento homossexual (não vou me referir à liberação das drogas porque simplesmente desconheço de qualquer político sério que defenda tal atitude; caso esteja enganado, por favor me apontem o sujeito para eu ir atrás, mas em princípio isto me parece uma grande falácia da parte do Vereador).
Aborto - Este tema sozinho já seria o suficiente para uma redação gigantesca a respeito, e com certeza não acredito que seja uma questão a ser resolvida em breve. Entretanto, acho imprescindível notarmos que, da mesma forma que a sociedade não está unanimamente convencida de que aborto é uma atitude eticamente "correta", as pessoas também não se convenceram, de um modo geral, que isto é algo errado. Ou seja, só porque não temos certeza de que queremos advocar a favor, não podemos em sã consciência lutar contra algo que nossos valores nem sequer são capazes de decidir com clareza. Eu acredito que uma atitude dessas é no mínimo extremamente desrespeitosa com mulheres que acreditam que têm o direito de decidir sobre seus próprios corpos (lembrem-se, este é um tema extremamente polêmico).

Eutanásia - A minha crítica é bastante semelhante à superior; este é um tema para o qual ninguém foi capaz de encontrar soluções satisfatórias, e somente um pensamento dogmático, típico de organizações religiosas, é capaz de advocar uma posição definitiva com tanta veemência.

Casamento homossexual - Se existe um ponto realmente discriminatório na carta do candidato, é este. Podemos com certeza concordar que o tema do aborto não é tão simples, pois existe a questão da consciência do feto, quando a vida de fato "surge", e etc. Na eutanásia, temos o fato de que a pessoa em estado vegetativo pode não ter conscientemente decidido tirar sua própria vida, e há um texto que nos garante liberdade de decisão para coisas que nos afetam individualmente. Por outro lado, o casamento homossexual não afeta absolutamente ninguém além do casal que tem uma relação afetiva. O fato de que o estado, ainda mais misturado com religião, tenha pretensões de se opor a algum tipo de relacionamento pessoal entre seus cidadãos, abre precedentes para um nível gigantesco de tirania e discriminação, state sponsored.

Antes de fechar o texto, eu só quero ressaltar estas palavras do Sr. candidato:
"..., pois encaro minha candidatura como uma missão cristã"
Só deixem eu lembrá-los de outra missão religiosa que existe por aí no mundo. Dela vocês podem tirar as conclusões que quiserem...

How's that para minha capacidade multiplicativa...
 
Wednesday, August 16, 2006
  Mathematics in the making
Depois de roubar descaradamente o título do post, vamos tratar do assunto em questão.

De acordo com Slashdot a Conjectura de Poincaré foi confirmadamente provada. Quando uma coisa de tamanha importância acontece, é uma grande oportunidade para fuçarmos nas coisas que fazem o mundo "acadêmico" tick, e também, como não podia deixar de ser, uma grande oportunidade para um post gigantesco.

Caso alguém ainda não tenha sido curioso e clicado no link que vai para a wikipedia, eu vou tentar explicar um pouco a conjectura. Infelizmente, não vou poder explicar a prova, porque realmente eu não faço idéia de como ela foi desenvolvida.

Mas antes disso, vamos aproveitar o espaço para criar algum contexto sobre estes trabalhos homéricos da matemática hardcore. A introdução básica, obviamente, tem que ser o Último Teorema de Fermat. Eu não vou falar muito sobre o trabalho de Fermat aqui, porque afinal de contas, estamos falando de Henri Poincaré. O teorema de Fermat é elegantemente simples: ele diz que a equação a^x + b^x = c^x, onde a, b, c e x pertencem ao conjunto dos naturais (trocando em miúdos: a elevado a x mais b elevado a x é igual a c elevado a x, onde a, b, c, e x devem TODOS ser maiores ou iguais a 0, e não podem ser números com vírgula) não tem nenhuma solução para qualquer valor de x maior do que 2. Ou seja, se eu escrever a^3 + b^3 = c^3, eu poderei escolher _qualquer_ valor (não-trivial, ou seja, diferente de 0 e 1) para a, b e c que a igualdade não vai se manter. para a^4 + b^4 = c^4, a mesma coisa. E, para qualquer outro valor grande de x, também. É desta prova que existe aquela história que Fermat supostamente escreveu no canto da página onde ele estava trabalhando "eu encontrei uma prova realmente maravilhosa para este teorema, mas este pé de página é muito pequeno para escrevê-lo". Bom, sobre esta prova dele, o que se acredita hoje em dia é que Fermat descobriu uma prova equivocada para seu teorema. Isto porque a prova confirmadamente correta só surgiu em 1999, publicada por Andrew Wiles, e a teoria que ele desenvolveu junto com seus colaboradores é simplesmente complexa demais para ter sido descoberta "por acaso" por Fermat.

Agora, vocês podem perguntar para que serve provar um resultado tão catastroficamente abstrato (apesar de que a conjectura de Poincaré é algumas ordens de magnitude _mais_ abstrata). Basicamente, o mérito de Wiles (além de resolver um problema absurdamente difícil e eye-candy para os matemáticos) é que a teoria de curvas elípticas e outras tantas foram dramaticamente aprimoradas para se chegar a esta prova. E posteriormente, é possível que estas novas ferramentemas matemáticas possam ser utilizadas no futuro para aplicações práticas, assim como muitas coisas da matemática abstrata.

Voltando à conjectura (para quem tem curiosidade de datas, foi publicada num artigo em 1904). Dita nos termos da wikipedia, ela é definida da seguinte forma:

Every simply connected closed (i.e. compact and without boundary) 3-manifold is homeomorphic to a 3-sphere

Para sequer começar a pensar em entender alguma parte dessa frase, parace que nós vamos precisar de um dicionário totalmente novo. Então vamos por partes:

Antes de tentar traduzir o que a conjectura fala, eu vou tentar fornecer um pouco de contexto sobre a área da matemática que ela abrange.

Topologia. O termo é daqueles que soa estranhamente familiar, mas estranhamente diferente ao mesmo tempo. Nós conhecemos topografia, que trata basicamente de caracterizar as formas de relevo de determinados ambientes. Dito em termos compactos, topologia é o ramo da matemática que se preocupa em estudar a forma de objetos (objetos geométricos mesmo, nada de "entidades"), mas de maneira absurdamente abstrata. Por exemplo, o conceito de distância não existe em topologia. Por causa disso, um cubo maciço é _o mesmo_ objeto de uma esfera maciça. Uma rosquinha, por ter um furo no meio, é _o mesmo_ objeto de uma caneca (imagine que a caneca também tem um furo, no pegador). Se mesmo assim está difícil de entender, imaginem que a rosquinha é feita de argila. Pegue então uma parte da rosquinha e vá aumentando de tamanho, até formar um cilindro colado ao furo da rosquinha. Depois disso, empurre o "teto" do cilindo até formar a cavidade do copo da caneca. Assim, sem adicionar nem remover furos, e sem "rasgar" a superfície da rosquinha, nós a transformamos em uma caneca. Topologia trata mais ou menos disso, de caracterizar objetos por quantos furos eles têm, e como a superfície é "rasgada" ou não. Dessa forma, a descrição de objetos passa a ser simplesmente o conjunto contínuo (ou seja, sem granulosidade) dos pontos que constituem o objeto. E se estamos tratando somente de pontos, abstraindo a distância entre eles, mas garantindo que a conectividade entre os pontos (ou seja, se determinado ponto é vizinho de outro, esta vizinhança deve ser preservada) fica justificado nós termos a liberdade de mexer no "tamanho" do objeto, mas _não_ de criarmos furos no objeto (pois se criássemos, estaríamos violando a condição de vizinhança).

Outra abstração importante da topologia consiste no número de dimensões que ela trata. Nós estamos acostumados em pensar em geometria bidimensional (em planos cartesianos, sistemas de coordenadas e mapas) e, as vezes, em sistemas tridimensionais (como o mundo em que vivemos e etc.). A topologia trata destes espaços, mas trata também de espaços de uma única dimensão, e (os mais interessantes), de espaços com mais de três dimensões. Imaginar um espaço geométrico com mais de três dimensões é biologicamente impossível, mas entender a sua concepção abstrata é uma possibilidade.

Mais uma vez, voltando à conjectura; A conjectura de Poincaré trata de um tipo específico de esferas. Como vou mostrar aqui embaixo, cada número de dimensões (uma dimensão, duas dimensões, etc.) tem um objeto mais ou menos equivalente a uma esfera, e a conjectura trata do caso de quatro dimensões. Nós conhecemos duas entidades: os círculos e as esferas. Pensemos na definição de um círculo: "Um círculo é o conjunto de todos os pontos que estão a uma distância igual de um determinado ponto P0".

Nós chamamos esta distância de raio, e P0 de centro, só para nos situarmos. Agora, vamos ver a definição de uma esfera:

"Uma esfera é o conjunto de todos os pontos qeu estão a uma distância igual de um determinado ponto P0".

Estas duas descrições parecem estranhamente iguais. Mas nós sabemos que círculos e esferas não são as mesmas coisas! Alguém quer chutar a diferença? É bastante simples, na verdade; a diferença entre um círculo e uma esfera é a dimensão do espaço que estamos tratando. Um círculo engloba todos os pontos equidistantes de P0, _assumindo_ que nós só podemos andar em duas direções: Para os lados e para cima/baixo. Já a esfera é a mesma definição, mas nós temos um grau de liberdade a mais: podemos também andar para trás e para frente.

Agora, alguém pode ler a conjectura lá em cima e deduzir, por causa do 3-mainfold, que a esfera que Poincaré estudou era a tridimensional. Isto é bastante lógico, mas é falso. Lembre que uma esfera é somente a _superfície_ da familiar forma geométrica. E, isto pode ser meio complicado de engolir; de certa forma, a superfície de uma esfera é bidimensional. Pense num cilindro. É fácil de imaginar que a lateral de um cilindro é bidimensional, pois nós podemos "abrir" o cilindro e esticar esta face numa folha retangular (e bidimensional). Apesar de que esta planificação não é possível para a superfície de uma esfera, a analogia permanece, e tiramos daí que uma esfera normal é na verdade uma 2-manifold. E daí a coisa começa a ficar um pouco mais feia, pois isto significa que a conjectura na verdade trata de esferas num espaço de 4 dimensões!

Agora que já temos um pouco de bagagem topológica, vamos tentar traduzir a conjectura de forma que possamos entender o que ela quer dizer:

Todo 3-manifold simplesmente conectado e fechado é homomórfico a uma 3-esfera.

Começando com os termos básicos: um manifold é a generalização de uma forma. Ou seja, uma rosquinha é um manifold, uma bola é outro manifold, uma fita de Möbius é outro manifold, assim como uma Garrafa de Klein e muitos outros. Ser simplesmente conectado significa que aquela condição de vizinhança que eu falei ali em cima, em um modo grosseiro, é válida para todos os pontos do manifold. Ou seja, que o manifold não tem furos. O conceito de fechado é um pouco mais complicado de explicar, e eu acho que a wikipedia faz um serviço melhor do que eu. Finalmente, ser homomórfico significa quase que "ser igual a". Lembre-se do exemplo da caneca e da rosquinha. Os dois são homomórficos. E uma 3-esfera, obviamente, é uma esfera em 4 dimensões.

Ou seja, o que a conjectura diz, no final das contas, é que qualquer forma em quatro dimensões "suficientemente" parecida com uma 3-esfera (por suficientemente parecida, devemos interpretar que satisfaça as condições de ser simplesmente conectada e de ser fechada) na verdade _é_ uma 3-esfera, do ponto de vista topológico.

Outra maneira de explicar é a seguinte: Imagine que nós peguemos um atilho de borracha (daqueles de se amarrar dinheiro), que _não_ tenha sido arrebentado (ou seja, que seja um anelzinho), e coloquemos ele sobre a "hipersuperfície" do 3-manifold (a hipersuperfície é a superfície do manifold; o nome diferente é por causa das 4 dimensões). Imagine também que este atilho é capaz de ficar cada vez menor, e menor, e menor, até que ele finalmente colapse em um ponto. Se conseguirmos fazer esta contração com o atilho, sem que ele nunca saia de cima da hipersuperfície, e de forma que em qualquer lugar do manifold que nós coloquemos o atilho, ele _sempre_ consiga se comprimir até um único ponto (sem sair da hipersuperfície do manifold, não esqueça), então este manifold vai ser homomórfico a uma 3-esfera. Se esta coisa de fechar um ponto do atilho parece trivial, tente dispor um atilho sobre uma rosquinha e imaginar ele se comprimindo a um só ponto sem soltar da superfície da rosquinha (é impossível :) ).


Bom. Considerando que até agora eu não falei nada sobre a _prova_ desta conjectura (imagino agora que ela possa ser chamada de teorema), eu acho que faz sentido prestar algum respeito ao trabalho maravilhoso de Grigori Perelman. Em 2003, ele publicou um rascunho da estratégia que ele pretendia utilizar para desenvolver a prova completa, e este trabalho passou por uma série de revisões e peer contact. Mas, depois de mostrar suas idéias 3 anos atrás, Perelman voltou para a Rússia, seu país de origem, e permaneceu sem dar notícias de lá. Agora (agora mesmo, o New York Times publicou isso hoje), seus trabalhos terminaram de ser revistos, e a prova foi apresentada por completo por matemáticos ao redor do mundo (isto é um procedimento de praxe, que nem um pouco retira crédito do trabalho de Perelman). Existem outras coisinhas interessantes sobre esta conjectura: 1.000.000 de coisinhas interessantes, para ser mais exato :). É que o Clay Mathematics Institute propôs este como um dos 7 problemas do milênio (e oferece 1 milhão de dólares a quem resolvê-los), os quais eu vou listar aqui, mas sem dar mais explicações:

P vs. NP
The Hodge Conjecture
The Poincaré Conjecture
The Rimeann Hypothesis (minha favorita :) )
Yang-Mills existence and mass gap
Navier-Stokes existence and smoothness
the Birch and Swinnerton-Dyer conjecture

todos os sites que eu passei são da wikipedia, bem interessantes, e eu achei isso originalmente no Slashdot (não kiko, eu _não_ tava olhando durante o trabalho. o Paulinho que me mandou o e-mail, e eu li _em casa_ :) )

Bom. Eu espero que quem ainda está vivo depois disso tudo goste um pouco mais de matemática, ou, na pior das hipóteses, não a odeie mais do que já odeia...:P

(o texto ficou grande, e se tiver faltado fontes pra alguma das coisas, me avisem que eu boto :) )
 
Monday, July 31, 2006
  Porque o Método Científico não é Científico
Uma coisa muito comum que eu vejo acontecer quando se discute coisas como Percepção Extra-Sensorial, Criacionismo/Evolucionismo, homeopatia, medicinas alternativas e etc., é que normalmente quem está fazendo o papel do cético pede dados confirmáveis de que o dito fenômeno realmente aconteceu, e que não se tratou simplesmente de wishful thinking. Ao que os defensores das teorias alternativas (alternativas aqui não deve ser interpretado com sentido figurado, mas simplesmente como uma alternativa ao caminho tradicional do conhecimento (não ouso nem dizer ciência)) prontamente dizem que algumas coisas simplesmente não são mensuráveis, e que exigir confirmação de alguns fenômenos se trata de pura teimosia daqueles que querem evidências mais concretas. Dizem, resumidamente, que existem coisas que vão além da alçada da ciência, e além do alcance do Método Científico. Dessa forma, a linha alternativa de pensamento sabota convenientemente as armas mais poderosas da Ciência, que passa a ter que simplesmente abandonar seus argumentos. Eu quero dizer aqui que o Método Científico, em sua maneira mais pura, não tem nada a ver com Ciência em si, e que, a não ser que alguém aqui se oponha a contar (do tipo um, dois, três, quatro, cinco), somar e subtrair, este método pode sim ser aplicado a qualquer situação que se quer averiguar com credibilidade.

Comecemos com o argumento de autoridade, só porque ele é o mais divertido: Carl Sagan já disse uma vez, "Extraordinary claims require extraordinary evidence.". Se ele não tivesse sido um astrônomo, o que ele dizia já teria afetado muito mais gente. Mas como ele se dedicou à ciência, automaticamente tudo o que ele disse tornou-se inválido para os crentes (por crentes leia-se pessoas que acreditam em coisas sem ter as devidas evidências para tal). E não me venham com platonismos do tipo "Mas o que é evidência? O que é verdade?", porque este tipo de argumento, pelo menos nesta discussão, é de grande infantilidade. Para meus propósitos, evidência basta ser uma quantidade grande o suficiente de vezes em que o mesmo fenômeno se repetiu, sob circunstâncias isoladas e controladas.

Vamos, então, ao Método Científico em si, que eu acho que deveria ser renomeado de "Método cuidadoso". Isso porque, a alma do Método Científico consiste em simplesmente tomar muito cuidado, ao fazer observações de coisas que acontecem na natureza, antes de pular para conclusões quanto a sua veracidade/razão. Uma vez vi um documentário no Discovery Channel, em que uma menina de uns 15 anos desenvolveu um experimento muito interessante para testar se um homem que dizia ser capaz de "curar pela aura das mãos" (ele passava as mãos sobre o corpo do doente, sem encostar, e supostamente curava seus males) realmente tinha algum poder especial. Ela pegou um papelão, cortou dois furos por onde passavam as mãos do "médico", e ele ficava sem poder ver suas mãos. Do outro lado da cartela, a menina lançava uma moeda e usava o resultado para colocar sua mão sobre a mão direita ou esquerda do testado. Com a mão levemente acima da dele, a menina pedia para ele dizer sobre qual mão a dela se encontrava. Ela anotava os erros e acertos em um caderno. Depois de algumas centenas de repetições, a menina analisou os resultados no caderno notou que o rapaz acertava em 50% das vezes. Das duas uma: ou ele era um charlatão que simplesmente chutava, ou o poder dele era tão bom quanto ruim. Conclusão: Fosse mentiroso, ou fosse incompetente, o "poder" dele não serve para efetivamente nada.

O que esta menina fez foi quase um meta-experimento, pois além de ser uma demonstração extremamente forte do Método Científico, serviu também para avaliar o próprio Método, pois era simples o bastante para analisarmos cada fase do experimento e mostrarmos sua valia. Primeiramente, é necessário isolar todas as coisas que poderiam enuvear o resultado, como a vontade de se curar dos pacientes, a lábia do curandeiro, e qualquer outro fator subjetivo que possa, intencionalmente ou não, levar a conclusões erradas. Aqui há um ponto muito importante: Vejam que eu não estou dizendo que se curar pela vontade de se curar, ou por acreditar em pessoas, seja algo ruim; eu estou dizendo que não é isso que o curandeiro dizia fazer. Na placa de onde ele trabalhava, provavelmente dizia "CURA PELAS MÃOS", e não "CURA PELA VONTADE DO PACIENTE". Então, temos que tratar de testar as mãos do curandeiro, e não a vontade do paciente.

Uma vez identificada e isolada a claim que queremos testar, vem a parte que os crentes mais "desconfiam" do método: A análise dos resultados. Isso porque todo mundo diz "Não se pode associar um número a tudo", ou "não se pode criar um índice da intensidade das emoções das pessoas". Dizer isso, ainda mais depois de uma educação consistente em todas as áreas do conhecimento, e em alguns casos especificamente em estatística, é uma ingenuidade que eu juro que não consigo compreender. É óbvio que ninguém que se respeite vai dizer "A sua personalidade se define por 67% de amor e 33% de ódio" (apesar que esta simplicidade me parece violentamente parecida com algumas filosofias dualistas, paradoxalmente preferidas pelos seguidores das linhas "alternativas"...). Não é deste tipo de numeração que o Método Científico consiste. Entretanto, se criarmos a seguinte entrevista: "Você ama seu cônjuge atual? S/N", e a fizermos para 3500 homens e 3500 mulheres, poderemos dizer _sim_, e com credibilidade _sim_ que n pessoas amam seus maridos/mulheres, o que representa aproximadamente x por cento das pessoas amostradas. A não ser que algum crente tenha motivos para desconfiar de se contar acontecimentos nos dedos, não há nada de esotérico no Método Científico.

Retomando o exemplo do curandeiro pelas mãos: O que quero dizer no fundo no fundo é o seguinte: Se vocês querem porque querem acreditar no poder deste cara, acreditem na própria ingenuidade de vocês. Acreditem na vontade de vocês de curarem. Mas não acreditem no poder dele de curar pelas mãos, e não, pelo amor de Deus não, digam que o teste da menina não teve valia porque o poder do curandeiro não se presta ao escrutínio. Não se presta ao escrutínio de que? De vendar os olhos dele para que ele tenha que usar suas mãos (o que ele diz ser capaz de usar desde o princípio)? Ou ao escrutínio de uma contagem semelhante em conceito ao que se fazia na primeira série do Ensino Fundamental? Sinceramente, se vocês querem funcionar "além" dos métodos tradicionais, fiquem à vontade. Mas não se enganem. Não é a mão dele que está curando, e não são as ondas de energia (energia esta que convenientemente não pode ser medida, reproduzida, nem sequer "contada") whatever que saem de não sei qual chakhra dele. É o simples e puro desejo de se enganar de vocês que está curando vocês.
 

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