In defense of the soapbox
Thursday, December 28, 2006
  O que se Diz às Duas da Manhã
Vamos assumir que existe uma divisão do conhecimento; que existe uma forma de avaliar os fatos documentados e colocá-los em uma ou outra categoria. Isto não é uma coisa nem de perto confirmadamente verdadeira, mas é um hábito que as pessoas costumam ter. Que existam então, duas categorias: o conhecimento científico, e o conhecimento não-científico. Observem que não estou fazendo nenhuma discriminação (ainda) quanto ao valor destes tipos de conhecimento para a sociedade; não estou, tampouco, dizendo que um conjunto é maior, ou menor, do que o outro. Vamos somente aceitar que existe uma forma de separar o que sabemos entre "científico" e "não-científico". Apesar de esta não ser uma separação comprovável, e apesar de que algumas coisas podem ser de difícil caracterização, a grande maioria dos fatos será razoavelmente fácil de posicionar; ninguém discutirá se colocarmos a Relatividade Especial no conjunto científico e a Nona Sinfonia no conjunto não-científico.

Antes de ir adiante, quero fazer alguns comentários sobre o que está dentro do conjunto não científico. Atribuir um grau de valor, ou de importância, a alguns elementos deste grupo, como por exemplo a própria Nona Sinfonia, não traz muita discórdia. Nós valorizamos a Nona Sinfonia porque ela soa bonita. Porque ela desperta emoções poderosas a quem a ouve e aprecia. Nós gostamos de ler Shakespeare porque as peças têm um humor e uma tragédia presentes só em textos de pessoas realmente muito talentosas. Mas o que dizer de assuntos mais importantes, assuntos que tentam imprimir em nós algo mais do que simples satisfação? Como caracterizar membros do conjunto não-científico como a Homeopatia (me perdoem os defensores desta atividade, ela será usada aqui para personificar métodos de medicina "alternativa", pelo fato de que eu desconheço outras atividades parecidas), que pode afetar a expectativa de vida de pessoas? Como avaliar o valor de se ensinar criacionismo em escolas? Claramente, existem elementos no conjunto não-científico cuja importância deve ser cuidadosamente analisada, para nos certificarmos de que não estamos advocando inverdades (inverdades aqui é um termo educado para baboseiras).

A partir de agora, alguém com certeza irá me acusar de um chauvinismo absurdo, em apontar o dedo acusatório contra o conjunto dos fatos não científicos e convenientemente deixar a ciência de lado. Sobre isso, tenho duas coisas a dizer: Uma, a ciência não, e deixe-me fazer este ponto bastante claro, a ciência não possuí todas as verdades sobre tudo. Cientistas são suscetíveis a erros e são corrompíveis. A segunda coisa é: eu deixo a ciência de lado porque idealmente ela é capaz, por definição, de cuidar dos seus próprios problemas. Não vou escrever aqui de novo sobre como funciona o método científico, mas basta falar que ele é feito para diminuir tanto quanto possível erros de asserção, ou mesmo erros de pensamento (aqui, erros simplesmente significam fatos que falam contra a verdade das coisas).

Agora, vou fazer uma defesa pessoal sobre porque eu valorizo muito mais os fatos do grupo científico, e porque eu acho que esta atitude é válida, se queremos chegar mais perto da verdade. Se, por outro lado, ninguém se importa com a verdade, bom, vamos parar de nos enganar e vamos sair por aí falando bobagens aos quatro ventos. Eu quero citar um trecho que li em um livro (o Livro é "a Devil's Chaplain", do Richard Dawkins, e na verdade isto é meio... feio de se fazer, pois é uma citação de uma citação). O texto falava de um cientista, Alan Sokal, que em 1996 enviou um artigo para o jornal Social Text chamado "Transgressing the Boundaries: towards a transformative hermeneutics of quantum gravity". Este artigo foi escrito de propósito para ser, do começo ao fim, uma seqüência de bobagens (Dawkins: "From start to finish the paper was nonsense. It was a carefully crafted parody of postmodern metatwaddle"). Abaixo, estou colocando as palavras, retiradas deste livro, de Gary Kamiya:

"Anyone who has spent much time wading through the pious, obscurantist, jargon-filled cant that now passes for 'advanced' thought in the humanities knew it was bound to happen sooner or later: some clever academic, armed with the not-so-secret passwords ('hermeneutics', 'transgressive', 'Lacanian', 'hegemony', to name but a few) would write a completely bogus paper, submit to an au courant journal, and have it accepted... Sokal's piece uses all the right terms. It cites all the best people. It whacks sinners (white men, the 'real world'), applauds the virtuous (women, general metaphysical lunacy) ... And it is complete, unadultered bullshit - a fact that somehow escaped the attention of the high powered editors of the Social Text, who must now be experiencing that queasy sensation that afflicted the Trojans the morning after they pulled that nice big gift horse into their city."

O que eu quero dizer com isso é o seguinte: eu valorizo muito mais o conhecimento científico porque, de um modo geral, aqueles que desenvolvem o conhecimento científico são chatos, muito chatos, em se certificar de que eles não estão escrevendo um monte de lixo com termos complicados para soar grandioso. É lógico que existem pessoas que fazem isso (e se nomeiam cientistas), mas esses não são os membros brilhantes do grupo. Imbecis anônimos falam bobagens, e coitados como Newton e Einstein, que imediatamente iriam denunciar as falácias desses seus "colegas", devem sofrer a culpa na mente popular.

Pelo fato de ser conhecido como método científico, esta técnica de se ser cuidadoso com o que se diz é imediatamente rechaçada como doutrina fascista nos meios do conjunto não científico. Assim, no conjunto não científico pode passar livre a idéia de que é lindo e maravilhoso alguém resolver inventar, do profundo de sua imaginação, uma "teoria" para explicar porque as pessoas não são felizes na sociedade pós-decante-moderna do século XXI. Todo mundo vai estar tão preocupado em respeitar o direito do cidadão de se expressar, e com tanto medo de parecer ter um resquício do bom e velho ceticismo, que absolutamente ninguém vai se lembrar de sequer dar uma olhadinha para a rua, para a realidade, e ver se aquele monte de palavras bonitas que o cara publicou num best-seller novo fazem algum sentido, ou se deveriam ser realocadas para a ficção (onde certamente venderiam muito menos cópias do livro).

Outro motivo pelo qual eu dou importância ao conhecimento científico, e só me preocupo com as Sinfonias do não científico, é o fato de que um dos conjuntos pode apresentar resultados inequívocos de sua importância, enquanto o outro precisa depender de boa-vontade e credo na testemunha de pessoas, somente. O que eu quero dizer com isso? Expermientem voar um avião movido a Qhi (sp). Ou ainda, eu desafio o grupo dos "maiores" médiuns do mundo a se unirem, da forma que eles acharem melhor, para levitarem a 10.000 metros de altitude, ou sobreviverem a 200 metros de profundidade, ou ainda serem catapultados precisamente como uma pedra para pousar na superfície da Lua. Eu confio na ciência, por que ela funciona. Eu confio na ciência, porque ela prevê que, por exemplo, combustão interna pode fazer carros andarem, e, voilà, os carros andam! Eu confio na ciência porque ela diz que elétrons (aquela coisinha maluca que ninguém enxerga) se mexendo para um lado e para o outro podem transmitir informações em algo etéreo chamado campo eletromagnético, e quem diria, eu ligo meu rádio, e ouço música! (a Nona Sinfonia, por sinal). Agora, eu ainda não vi nenhum rádio capaz de receber informações do Qhi de ninguém. Ainda não vi nenhuma televisão que me deixe conversar com os mortos. Eu só ouço histórias de pessoas que dizem falar com mortos. Mas se é para dizer coisas, bom, eu também posso dizer que falo com os mortos. Mas guess what, eu não falo!

Para terminar isto, quero usar um exemplo para mostrar a importância de se testar o que se ouve, de se averiguar o que se lê: Imaginem que eu publico, ou escrevo neste blog, ou até mesmo falo ao vivo, que eu cheguei à conclusão de que um grande conjunto de bolinhas rosas de borracha que quicam na minha garagem são capazes de traduzir e prever o futuro da humanidade. Se eu conseguir terminar a frase antes de ser internado em um manicômio, poderei me considerar sortudo.

Agora, se por outro lado eu lhes dissesse "Recentes avanços na tecnologia me permitiram concluir que a continuidade do tempo está intimamente relacionada a variações multi-harmônicas do campo tri-esférico quântico localizado em um nível trans-atômico da quarta dimensão, e que conseqüência não existe, todas as coisas acontecem simultaneamente em um multiverso de possibilidades infinitas". Com um pouco de entonação, eu poderia dizer isto a uma platéia sob fervorosos aplausos. Mas as duas coisas são nada mais do que lixo, backwash da minha cabeça, aqui escrevendo esse monte de coisas as duas da manhã. Mas existe algo muito importante nisso tudo; namely, que a gente não deve acreditar no que alguém diz as duas da manha ;-)
 
Comments: Post a Comment



<< Home

ARCHIVES
July 2006 / August 2006 / September 2006 / October 2006 / December 2006 / January 2007 /


Powered by Blogger